segunda-feira, 25 de agosto de 2008

Derradeira chamada para aquele que se vai


Corre mãe!
Avisa o pai!
O amor está cantando
Pra subir,
Bateu os tacos das botas,
Lá se vai,
Tá arrumando os estribos,
O tique-taque vai clarear o dia
O olho do sol vai apontar.
O cristão tá com as horas contadas,
E todos já o estão avisando
Que morrer
Não dói.


Jaisson
Agosto 2008
(lembrando uma frase de um dos grandes poetas da música brasileira, já que o amor está por um fio mesmo...)

quinta-feira, 21 de agosto de 2008

Flor do rei



Sob teu pólen cantaram os homens do Sol
Nos arrabaldes de tantas manhãs assoalhadas
Cânticos soprados pelas rédeas de braço
Em sina sem época, lavada pelas madrugadas...

Em direção ao peito desatento
Tuas pétalas são as flechas de arqueiro
Mansamente apontadas, sem clemência
Levando na ponta três gotas de amor.

A providência te fez brotar
Primavera perene, estrela lírica e viçosa
Fazendo do dia claro seu único mantimento.

Pretérita beleza da sapiência heráldica
Flor-mãe das criaturas de Deus,
Imagem da humanidade aos pés do sol,
Que não principiou
E não há de jamais fenecer.


Jaisson
Agosto 2008.

quarta-feira, 20 de agosto de 2008

Em 7 dias morrerá o amor



O amor engasgou
Bebeu muito ligeiro
Eu avisei!
Trago de paixão é amargo,
Desce ardendo,
Capaz de matar vivente tão moço!

Chamem os paramédicos,
Ele teima em não respirar,
Não há padre nem corneteiro
O amor quer é um beijo
Bicho vivido que é.

O amor está a se esvair,
O coração é um trem parando,
Em vazia estação.

O vigário desistiu,
O doutor desenganou
Tudo está lascado
Disse o cético pastor.
A cigana o cobrou,
A polícia? (ainda não veio)
Os bombeiros alegraram a noite
Mas sem fogo nada se pode apagar...

E lá no fundo a tia Joana
(que é mãe sabia e decorosa)
Disse sem dó:
Mandem chamar aquela moça!
Sem beijo, não há mais o que fazer.
Porque sem o caldo daqueles lábios
Dou sete dias no más
E podemos enterrar e benzer.


Jaisson
Agosto 2008

Cantiga de morrer



Tudo que nasce, morre
Disse o sábio doutor.
Bicho, bandido e saudade
Pedra, sapato e amor.

Uns morrem de maldade
Alguns morrem até de dor
Tem os que morrem de idade
Outros de chumbo voador...

Maria morreu cantando,
José morreu de sonhar
A vontade morre no abraço
O amor morre no mar.

E eu hei de morrer
Mordendo a vida devagar
E lá no epitáfio vão ler:
Descansa aqui um poeta sem par.


Jaisson
Agosto 2008.


domingo, 10 de agosto de 2008

Terapêutica do amor só



Muitas pessoas acham que a paixão só é prazerosa quando correspondida, quando há reciprocidade e um relacionamento se cria. Uma visão tacanha e ingênua, socialmente repetida e confirmada pela pieguice simplista que impera nesse mundo às avessas.
Nessa visão, os amantes que não recebem de volta todo o apreço que explode de seus corações acabam em depressão, em tristeza vã, ou mesmo em atos ainda mais irracionais, como tentar pôr fim na própria existência ou na de outrem. Realmente lamentável.
Eu vejo as coisas de forma radicalmente opostas, porque tomo-as na raiz: estar apaixonado é mais do que simplesmente desejar a correspondência do afeto. É sentir-se vivo, antes de tudo. A paixão, que é um sentimento tão explosivo quanto efêmero, deixa pouquíssimas coisas, porque sua essência é a capacidade de passar como o vento; e talvez uma das coisas mais importantes que ela deixa é justamente a sensação de um dia termos nos sentido mais vivos que a própria vida em si. Explico-me.
A melhor fase da paixão é aquela na qual nos apaixonamos por nós mesmos: o outro não é o outro, mas um doce e sugestivo querer meu, uma projeção infindável de qualidades que eu vou tecendo habilmente sem o uso da razão, desejos que afloram em mim, sonhos que vou criando, futuros que almejo. Nada disso está fora de nós (desculpe a sinceridade, mas realmente nada disso está no outro) e, portanto, nessa fase, estamos, mais do que tudo, apaixonados por nosso próprio reflexo projetado no espelho alheio. E, se soubermos viver às claras essa paixão – independente se haverá ou não uma efetivação de um relacionamento – teremos aproveitado cada um desses devaneios, teremos amadurecido, teremos aumentado nossa capacidade de sonhar e querer e, finalmente, teremos aprendido mais sobre nós mesmos. E viver essa paixão às claras significa não reprimi-la por saber-se não atendido; significa não escondê-la do mundo e não negar ao outro o que verdadeiramente somos e desejamos, por um inútil medo de parecer bobo, romântico ou um doidivanas masoquista.
Isso é saber que a vida é um processo, muito dialético por sinal. E o vir-a-ser nada mais é do que um cordão amarrado em nosso próprio tornozelo. E, se nada pode mesmo ser eterno, qual o problema que pode haver em viver à flor da pele uma paixão sonhada só? Afinal, não será exatamente isso que significa, lá no final de tudo e de todos, esse tal de bem-viver?

Jaisson
Ago 2008.

(breve pausa de alguns compassos para a prosa)


Tiros de braça em corda



Teus olhos têm o silêncio
Do dó daquele que ouve
A sina de homem perdido
A dor do sobejamente belo.

O destino carregas atravessado
Como mala-de-garupa rota
À tira-colo do devir e remendada de trapilhos
De recordação.

De ti não sei nem o fado
Maltrapilho eu sou
Guri sem prenda, nem prendas-lides.
Poesia rouca de pouca viragem
Cantiga feita em lenta moagem.

São cordas de estribo
Cordas que sustentam milonga
Regalos bandidos
Arpejos de justa delonga
São claros e altos sibilos
São cellos cultuando Vênus de Milos
Chorando a velha estação que se alonga.

Vem cá dose de mel campesino
Cura minha ferida
Faz do meu peito nosso amálgama
Faz desse tempo nosso uma praga
E desse toque acanhado
O amor que se ouvirá entoado
Na ventania que faz do inverno, adaga.


Jaisson
Agosto de 2008
(ventos que cortam sós, com um leve toque xucro)

quarta-feira, 6 de agosto de 2008

História (de amor?) de um amigo.

Matreiro, às espreitas,
Lá vem o ladrão da vida
Alcoviteiro dos desejos
Que cintilam nas almas mortais.

Na cabeça um chapeuzito!
Ele anda de suspensórios
O amor é retrógrado,
Porque afinal não acata o tempo.

Nos receios libidinosos
Rios de gasolina
Ele cospe centelha
Queima sisudos cercados de corações cerrados.

O amor é cineasta do sentir
Sentir-se vivo, sentir-se incólume
Junta trapinhos de linho
Tece assim a prata dissonante da primavera.

Viva o amor!
Amados eternamente amantes,
Até no seio do inferno, meu bem.

Viva o amor!
Sol beija a face da lua, de tardinha,
É a canção do universo, meu bem,
Cantiga que tropeia os viventes,
Caldo alegre que se toma na própria casca!

Ah! Corre atrás dele quando ele fugir,
(ele gosta de fugir e corre feito louco)
Não te aflijas, cata uma pedrinha
Mira bem,
Pimba! O amor emborcou-se feito siriguela,
É só juntar e comer de lambuzo.

Viva o amor!
(porque se não o viveres, serás tu que não viverás.)


Jaisson
Ao amigo Chico.
Agosto, 2008.

segunda-feira, 4 de agosto de 2008

Folhas e tempo

O tempo nem sempre é pedra
As vezes ele me parece como uma folha seca.
Que você encontra jogada no chão
E com cuidado vai moldando desenhos, estrelas, paixões...
E moldamos a nós mesmos.
Mas há quem simplesmente pise ou ignore as velhas folhas
E há quem salte pra dizer que precisam ser varridas.
Ora, esses talvez nunca entendam meu verso.
E talvez não entendam verso algum.
O que importa?
Quando há as almas belas que fazem da vida uma grande galeria de obras de arte!!
Mesmo que usando apenas folhas secas...


Jaisson.
Em alguma vez,
À Daniele,
Amiga. Irmã.

domingo, 3 de agosto de 2008

Eu.



O tempo esta pingando.
As gotas correm uma pra chegar mais depressa que a outra.
Lançam-se para virarem névoa da consciência.
Nós as contamos, sem anotar.

Vivemos na planície lisa, mitigada pelos séculos
Mas lá ao fundo vemos a cordilheira
Vemos poeira fina, poeira branca de chuva vindoura
Tempestade sem som
Que inebria e apavora de dia,
Mas nos aquece e desperta o desejo noturno.

E terei de revelar:
Só se vive depois de se fazer
Essa lenta e dorida escolha:
E tu, que serás?
Contemplai os desenhos vivos
dos travesseiros macios do céu?
Ou vais jogar-te em peito nu
pra ver que eles não são mais que um punhado de léu?

Se ficares, os pingos do tempo
Cairão como cera inflamada em teu dorso
E as cicatrizes hão de te ensinar que
Viver para olhar é simplesmente
Olhar sem viver.

Se te jogas irmão, não há conjecturas
Não há sentenças, não há lições
Se te jogas ao fundo, só tu saberás
Que viajar no rio de Heráclito,
É saber que nada há para além
Daquilo que queres chamar “eu”.


Jaisson
Ago 2008.
(Correndo ao desfiladeiro)

Recôncavo poético no divã



Fez do meu quarto um oceano,
E não me ensinou a nadar.
Mar seco, no qual correm só sonhos
Reverberando na orla...
(sublimação?)
Calmos dias e tênue brisa,
Grossas noites de tormenta
Feitas de raios e recuerdos.

Esse pélago azul do passado
Há de acabar um dia?
Em qual ilha te encontrarei
Para cortarmos troncos verdes
(esperança ou saudade?)
E fazermos uma jangadinha
De cipós frouxos
(desejos?)
Que nos levará sobre o molejo molhado
Até o porto mais próximo
do horizonte de nós mesmos?
(id, ego ou superego?)


Jaisson.
Noites de mar.
Porque há coisas que simplesmente não.
(sem verbo e portanto sem ação.)