sexta-feira, 23 de maio de 2008

Devaninho

Aquele que devaneia só,
Sabe mesmo que cada devaneio
Deve muito a um só si
E que só devaneia de verdade
Aquele que de si mesmo ousa sentir saudade,
Enquanto outros nem aí...

Mas todos estes que riem de mim
Ainda não sabem que não haverá de mim vicários.
E um dia vão se lamentar.
E nesse dia todos devanearão,
E eu, devaninho...

Jaisson
Maio 2008
(inspirado em um poeta aí)

quarta-feira, 21 de maio de 2008

Àquela

Ao redor daquelas doces casinhas
Feitas de pavio de macaxeira,
Um garoto sonha um dia
Em aprender o que é ter saudade.

Tanta vida em tão pequeno corpo
Transbordava-lhe a alma de tantas cantigas
E cantava o amor que um dia teria
Com os versos que um dia iria saber escrever.

Um dia ela veio,
Como uma sonata bailante
Em verdes panos, que de tão lentos e escorridos
Faziam seus olhos vibrar como dois vagarosos minuetos...

E dali em diante, seus sonhos fizeram-se fogo
Fogo calado, um tormento macambúzio
Choro de penas e dós que chorava
Infinitamente acordado esperando um afago matutino.

Houve anos em que ela morria também
Mas sempre voltava,
Sempre mais cálida, e no âmago uma fome ferina
Que saboreava cada paixão e envenenava seus donos,
Um a um, de tanta volúpia.

O garoto havia virado pedra
Amansado pelas décadas
Que o fizeram esquecer o gosto do néctar daquela voz,
Jocosa e agradável
Como as viagens que fizera para dela tentar desertar.

Jogou buraco com a morte todo domingo
Por anos a fio que nem contar mais pôde
Sempre ganhava.
De jogos de solidão ninguém soube mais que ele nessa vida.

Aprendeu a manchar todos os amores
Com um fel destilado dos próprios humores
Que gota a gota lhe iam matando,
Que a cada gota traziam reminiscências dessa mulher-tempestade
Que choveu e cegou todos os seus sentimentos,
Deixando-o descalço ao sabor da terra,
Que ponteou a sola de seus pés,
Outrora faceiros,
Agora desabridos.
Um dia voltou ao seu povoado
Sentou-se a margem do nada
E revirou montes de nostalgia lamacenta
Em busca de encontrar a inocência que achou que um dia
Haveria de ter tido,
Sabe-se lá quando...

A morena não voltou porque nunca se foi
E as promessas que fez para os próprios botões
Achou uma a uma e ali disse adeus.
Iria buscar o reino daqueles que amam sem ferir.
Lá onde deságua o mar dos meninos sem coração
E enterrá-las sob a areia fina e marejada.

E lá vaguearia até que o infinito colocasse um calço em sua vivência,
Riscando na praia e nas rochas aquele nome profano
Daquela dama que de uma só vez
Deu-lhe toda vida
Com a condição de que ele nunca a vivesse
Sem antes beijá-la,
Para poder então morrer no cais das eternas juras desentendidas
Que um dia quiseram fazer coloridas
Toda flor (amor!) que nesse mundo quisesse se fazer nascer.


Jaisson.
Maio de 2008.

quinta-feira, 15 de maio de 2008

Deserto dos corações que amaram


Dorme vento

Não sopra assim

Me embale cá pois,

A noite sempre enxuga

O pranto que o dia enruga.

Coração já sem rédeas

Galopando gracioso

Pisando daninhas

Com ar jocoso.

Plantas de dor sem fim

Uma arde, paixão

Outra rompe, ah rancor,

Quantas coçam, saudades

Todas voltam, mais rápido

Quando indolentemente desbaratadas

Pelas patas canhestras da razão

Ah campo ardiloso e vil

Que guarda mil corações sepultados

Mortos e descaroçados

Por um deleite de prazer.

Ah campo estranho e perigoso!

Semeado à noite, com gozo

por um coveiro intrépido

chamado amor.


Jaisson

Maio 2008

Alheio amor de toda vida

Não flerte comigo moço, não posso, não há tempo para pilhérias!
Esse cestinho de poesias não vai comprar minha alma,
Sabes que prefiro colarinhos cheirosos
A estes teus versinhos manhosos...

Quase sempre me retiro do espetáculo
Pra algum canto escuro dentro dos meus bolsos
Cheios de moedas e canções mundanas
Perdidas entre desfolhadas paixões tempranas...

Amélia não sente minha saudade, infortúnio!
Hirsuta mulher cheia de veneno nas ventas,
Todo um ódio molhado nos olhos e
Nenhum desvio sequer entre os lábios de libélula.

Aquelas noites quase matutinas fizeram do meu corpo teu carma,
Miríades que recontei na falta de um afago teu que nunca senti.
Amor que veio ao mundo sem cueiros e
Sepultou o último grito de paz que rangeu nesse melindroso coração.

Jaisson
Maio 2008

terça-feira, 13 de maio de 2008

Confissões de um mau namorador



Quando cheguei a certa altura da vida,
Deixei de ser capacho das luxúrias do amor
Despi-me da alma piegas em mim contida
E virei um mau namorador.

Tudo que passa em meus olhos vira abstração
Novenas, buquês, até o beijo romântico de chuva molhado
Já não saio na sexta pra não ser maculado
Porque sábado é dia de ler Platão...

Ah donzela, é melhor de vez me esquecer,
Este poeta fatigante de tons obsoletos
E buscar um moço insosso pra te cobrir de prazer
E passar contigo o domingo lavando espetos...

Sei que não queres adentrar nos meus caminhos
Que só têm folhas, versos, epopéias, pergaminhos
Mas que pode fazer um homem sem sinônimo?
A não ser entender os fardos de ser anacrônico?

Deixa-me assim quietinho,
Porque se vieres não tereis culpa
Por te amar assim de vagarzinho...

E na aurora do dia depois de doar o tempo às parcas
Sairei em passo de passarinho,
Levando todas tuas lamúrias nos bolsos
E deixando-as em trilha pra marcar o caminho.


Jaisson
maio de 2008

quinta-feira, 8 de maio de 2008

“At na mas matanda”

Numa caixinha de botões em que guardo minhas saudades
Achei um botãozinho de cor translúcida
Parecia um daqueles desfigurados vendidos em Santarém
Que servem pra enfeitar a lapela,
Mas logo vi, não era botão, mas um choro que se cristalizou num gérmen
Um amor platônico que ficou assim, videlicet
Que me fazia sonhar a cada sinal dos badalos, ah!
Até eu acordar de susto e trocar os desejados beijos por alguma fórmula mágica...

Transitei pelo ventre desse sonho que me fez chorar
E que só existe ainda porque nunca virou realidade,
Pois os sonhos que descem a este mundo esmigalhado
Nunca duram mais do que o tempo
Necessário para que possamos engoli-los avidamente,
E Encontrarmos novos sonhos na madrugada seguinte.

Só posso dizer que não há como lamentar
Amo-te ó inércia capitular que me rema lentamente como um charrua
Há o que mais se possa pedir desse bom viver?
Mais e mais devaneios
De cores vibrantes, reais como minha própria loucura que os embala
Dez ou cem, quem se importará lá nos confins do meu calvário?
Anos embebidos de quimeras e utopias não deixarão, enfim, de contar no calendário dos pagãos sem poesia...

Jaisson
Maio 2008.

sexta-feira, 2 de maio de 2008

Amor do mundo de nós dois.

Peça-me um beijo clara donzela,
E deixarei escapar os lamúrios de uma alma sentimental
As armas entre meus dedos podem esperar,
As baterias andejantes de clarins também.

Os barulhos que ouves são todas as coisas que faço
Tomar de assalto montes frágeis, arbustos insolentes
Certas paisagens que crês estar vendo são só sonhos dos quais esqueceste
E que cansaste de tanto sonhar.

São tantas pelejas irmão
Que nem contar vale
São dardos flamejantes cortando em fiapos nossas esperanças
São só guerras justas a ceifar mentes já compradas.

De que valerá usar tanta assiduidade?
Quantos gatilhos podem valer tanta acuidade?
Quem trocará pães rotos por suas metáforas prolixas irmão?
Quem vai saber que vales mais que o isqueiro que trazes no bolso?

Aqueles sujeitos desviados que cortam a terra
Mastigam pedras, bebem do riacho turvo e nunca dançam
Só cortam e cortam.
Não nos espantemos, estão lutando pela mátria!
E nós, onde estamos?

Mas não vale a pena contar quantos.
Para que saber?
Novas abstrações não poderão nunca fazer das rochas damascos.
Apenas mantenha o beijo senhorita. E esqueça onde estamos.
Por que alguém vai se importar?

Soneto da tristeza

Quero beijar a dama em solilóquio
E jogar fora os amores e saudades
Que ainda povoam meus bolsos.
E declaram minha mágoa.

As águas em que durmo são sinceras
E soluçam o tempo devagarzinho
Levando aos poucos os retalhos
Com que costuro meu viver.

Pergunto ao meu vaso de begônias
Se ele sabe explicar como se renasce.
Calou-se como quem desdenha pergunta inocente de criança.

Escondi-me da luz que recobre os felizes do mundo
Mas o clarão quis me abençoar e clareou
Então sorri. E no bandolim, o choro cantou.


Jaisson
Dez 2007.

amor gauche

Meu amor ama.
Mas ele não diz.
Quer invadir o amor dela, com chama, com fúria e com nós soluçados na garganta.
Mas sub-repticiamente.

Novos dias de um mesmo viver

Ao final de tudo acabamos sempre chegando a conclusão de que não somos mais do que um emaranhado de memórias dispersas, de lembranças voláteis, seres sedentos por pequenas doses de nostalgia. O tempo é uma experiência, não um dado. E uma experiência que nos violenta. Nem sequer nos consulta ao determinar o fim de um beijo que ao nascer parecia eterno. E ainda nos deixa à deriva de sonhos e projetos e nos incentiva a criar milhares de futuros, ciente de nossa ingenuidade e incapacidade de vencê-lo. Ele é mesmo cruel, porque se alimenta de nossa incerteza perante o devir.
Ao fim de um ciclo cronológico, como o ano que os homens inventaram, ele se delicia, chega ao clímax de sua satisfação: as pessoas vivem um misto entre as memórias e as remembranças, as odes aos bons tempos, e as promessas de novos dias, mesmo que num mesmo viver.
Como eu gosto de conclusões interrogativas (como manda a etiqueta da boa dialética), finalizo: quão novos poderão ser todos esses sonhos e esperanças se todos eles nascem dos restos mortais das fragmentadas lembranças que constituem nosso sentido de existência? Dúvida para um próximo deleite literário. Por enquanto acho que ainda devemos provar o mundo, mexer em suas feridas, conhecer pessoas, sentir cheiros, chorar os rios de angústia que correm em nossos presentes e gostar. E isso é desejar um bom viver. Por que não?