domingo, 29 de junho de 2008
Melpômene
Teima em repetir-se em ferida no meu peito
Impávida, envenenada
Como a cicuta doce que escorre
Das sílabas que mansamente dizes em meu ouvido
Sempre que me acabo em sonhos.
E a chaga aberta não sara.
Dela saem desejos, sublima toda a esperança.
Vai, foge fúria, leva contigo esse pesar!
Todo esse amor inflamado,
Que de tão quieto é doído que só
E de tão só dói
Quieto.
Silenciam as Musas sobre a algazarra que faço,
A sereia dorme, e tão leve é o brilho que lhe cobre!
Macias escamas de porcelana chinesa,
A estilhaçar o sol na pele fina do mar.
Nem Zeus mais te arranca os fios da luxúria,
Tens a todos que pra ti olham, Euterpe!
Homens morto-vivos, escravos teus.
Ainda tenho o direito de pensar em ti?
E bem no fundo do palco vazio
Ouve-se apenas o ledo deboche
Daquela cujos coturnos cor-de-tragédia,
Têm desenhado cada passo do meu coração.
(Melpômene)
Jaisson.
Jun.2008
sexta-feira, 27 de junho de 2008
Explicação do blog:
A noite: do Lat. Nocte s. f.: espaço de tempo entre o crepúsculo da tarde e o crepúsculo da manhã; escuridão; trevas; noitada; fig: mistério; cegueira; tristeza, sofrimento; poét.: trevas do espírito, ignorância.
O Id: O id (que literalmente significaria “isso”) é o termo usado para designar uma das três instâncias do aparelho psíquico na segunda tópica das obras de Freud. Possui equivalência com o que seria o inconsciente da primeira tópica embora os dois conceitos apresentem sentidos diferenciados.Constitui o que seria o reservatório da energia psíquica, onde estariam as pulsões. Faz parte do aparelho psíquico da psicanálise freudiana de que ainda fazem parte o ego e o superego. Enquanto o superego teria a função de repressão dos instintos e pulsões (principalmente sexuais), com um conteúdo moral, o id seria o responsável pela pulsão crua e irrefletida. O Ego seria, em termos gerais, a mediação do eu da balança entre essas duas outras instâncias.
Eu: Ainda procurando uma definição apropriada. (se é que existe uma).
A noite + O Id + Eu = Um bloguezinho de poemas.
segunda-feira, 23 de junho de 2008
Parada
Pára perto da parada
O homem feio sobre
Uma criança magra desce,
A velha vomita suas memórias na janela
O cheiro é insuportável.
Ninguém vê.
E a vida segue vivendo,
E eu esperando o ponto certo
Para desembarcar
E mudar a mim mesmo.
Voz
Ou mesmo nenhum
Aonde o poeta é alvejado
Por fazer da própria mente seu lugar
Sendo as palavras suas amantes
E suas maiores inimigas,
Num tempo em que as rosas têm um cheiro pueril de passado.
As direções dos versos desse andarilho
São muitas, confusas.
Mas sua vida é mesmo feita de enigmas
Que, quando menos espera,
Iluminam-se,
Traduzindo a linguagem do universal
Que une todas as almas livres do mundo.
E nesse frágil e lento segundo
O poeta simplesmente só
Olha firme em direção ao céu,
Abre as portas da alma,
E se cala.
Jaisson
Dez 2004
quinta-feira, 19 de junho de 2008
Poesia e senso-comum
O bater das asas de uma borboleta no Saara
Não muda nada.
Cada verso que ele traz à vida
Nasce de um canto dolorido que ele musicou
Mas ninguém ouviu.
Cada vez que um romântico grita
Eu te amo!
Morre uma fadinha na Conchinchina.
A cada cem anos de poesia
Mil poetas, um milhão de versos
Nenhum centavo no bolso.
A cada estalo de canhão,
Cinqüenta hectares a mais,
E uma dúzia de poetas a menos.
A cada esmola generosa,
Apenas um sorriso,
Nenhum poeta desconfia.
O poeta corre, tem pressa
O folhetim tarda, mas não falha.
A lerdeza é inimiga de sua perfeição.
quarta-feira, 18 de junho de 2008
O descontrole da tragicidade do amor
Sim, este conceito polissêmico é totalmente descontrolado. Não se pode prever seus desdobramentos, suas falhas e as fissuras que alteram todos os planos que tão meticulosamente vamos arquitetando.
Ele não obedece nunca ao roteiro e sempre vira improviso.
Nos põe a buscar as essências, ainda que estejamos tão empoeirados de cotidiano. Nos instiga e preserva. Desconstrói e ainda pisa nos caquinhos. E sai faceiro.
Ainda que tudo seja simples, seu objetivo maior é sempre a tragédia. Se alimenta de todas as descontinuidades e limitações de nossas frágeis almas.
Ele não declara nada. Sempre dissimula.
Não canta. Balbucia ao pé do ouvido.
Na verdade ele é o nada, porque seu porvir é a inexatidão das contingências.
Ele rompe a integridade de nossa subjetividade. Espalha a discórdia no ego.
O amor soluça, nunca vocifera.
Mente ser eterno quando só vive da mudança.
O amor é o calço desequilibrado que nos sustenta no chão da certeza de se saber mundo.
Ele não recoloca e nem ajusta.
Ele nos descentra.
Jaisson.
Só
Sigo só
Ó vida que embala
Meus imbróglios, meus embrulhos
Meus soslaios e espúrios
Meu nó.
Subo o muro devagar
Até rachar meus sonhos nos vidros cacos
Mãos ardentes em nacos
De dó.
Sigo como pranto de chaleira
Porque só obedeço ao céu
Sigo como rasgo de esperança
Porque não faço senão esperar
O par de olhos que há de ninar
Essa minha solidão de bordel.
domingo, 15 de junho de 2008
Cinzas
Esse ventinho chorado pela noite
Embalou meu novo amor,
Que como uma paixão de carnaval
Reluzia e ria um riso cor-de-passado
Que parecia inaudível aos olhos embaçados
Dos homens que a canção da vida
Fez questão de jogar fora,
Depois de tudo, num último retoque
Do cansado repique
De uma amanhecida quarta-feira qualquer.
Querendo ou não,
Teu sorriso era apenas um singelo dolo
Grunhindo os velhos medos e ardis
Raiados em certos dias sem princípio, nem morte, nem antes...
Épocas se digladiariam com ardor e esgrimas cegas
A cada página da epopéia em branco
Que eu ia rabiscando sem amor,
Desejando ser o herói engolido por um mar tempestuoso.
Espumando, só de querer.
Ser só ente, e nunca mais ser.
Atravesso ruas, cobertas
Nuas?
Serão esses confetes mais pisados que minha alma
A roupa ignominiosa que faz tão belos
Todos esses sonhos de entrudos frívolos e amores-sem-capricho?
És eterno, Vento?
Porque então não mostrar a um mortal de tantos martírios
Teu segredo que eu afinal já sei!
Que teu início é sem começo
E que lá no teu fim,
Enfim,
Só há versos esquecidos,
Poetas doidivanas,
E a doce esperança de um dia, quem sabe, voltar?
Jaisson
Junho 2008
segunda-feira, 2 de junho de 2008
Reflexões sobre as rimas mais caras ao amor
Talvez o nosso grande carma, e ao mesmo tempo dádiva, seja essa característica de sermos seres que conseguem criar sempre novas vontades para manterem-se vivos. O ser humano vive porquanto deseje, e, ao realizar desejos, cria logo outros novos. É a eterna busca por um estado pleno que nunca pode ser alcançado. E assim é com o tal amor.
De forma pueril, nos encorajamos em buscas quase sempre infecundas pra encontrar “a metade da laranja”, “o verdadeiro amor”, “o príncipe ou princesa encantada”. E o pior é que, mesmo sabendo que tudo isso é um grande embuste, ainda permanecemos presos a todas estas pieguices. Talvez este seja um texto racional demais, poderão dizer todos os falsos românticos. Estes, não raras vezes, contentam-se em imputar a toda e qualquer situação amorosa os velhos bordões do tipo “não posso mandar no meu coração” (uma metáfora que em termos freudianos poderia ser vista como um mecanismo de defesa do ego, a assunção da própria incapacidade de controlar os rumos da própria vida) ou ainda “fomos feitos um pro outro” ou “alma gêmea” (duas aberrações em termos de historicidade, já que ninguém é concebido com seu respectivo par, que estaria perdido como um eldorado em algum lugar do planeta).
E imaginamos tudo isso por uma simples razão: precisamos criar essas narrativas para agüentar o peso de uma existência desconexa. Afinal, o que seria do mundo se todos tivessem a plena consciência dessa impossibilidade de completude, da falácia da felicidade e do engodo que criaram (e chamaram amor) para dizer que temos de buscar alguém que seja a nossa suposta metade que se extraviou por aí? O que seria de nós se de uma hora pra outra perdêssemos esse nosso referencial simbólico e nos descobríssemos seres plurais, descentrados e apenas soltos ao léu e ao acaso nessa brincadeira de roda que é a vida?
É difícil dizer assim, em um textinho bobo. Mas posso provocar: Não seria bom que finalmente nos déssemos conta que amar, mais do que qualquer outra coisa, é (re)conhecer(se)?
Jaisson
Junho de 2008