terça-feira, 25 de novembro de 2008

Cântico da Noite I

Tu que vives a claridade dos dias
Como um doce de clara-de-ovos
Não sabes o que é carregar a maldição
De ser a coruja infame dentre os pombos.

Quando a noite cai,
O sereno encandeia e borbulha
Minha mente acorda do sono
Da vida morna que se vive de dia.

A noite, envolta em seu pano roto, é mulher sedenta
Que vive de mendigar migalhas
Dos pequenos faróis, lustres de calçada,
Calejados isqueiros que acendem cigarros
E queimam os olhos das gentes de bem.

A noite é o desequilíbrio necessário
Ao equilíbrio injusto dos homens
Que a renegaram a ser a eterna dama-de-ninguém,
Confidente daqueles que a vencem dormindo
E eterna carcereira daqueles que a tentam comprar
Com lascívias, embustes, tocaias e perversidades.

E quando o Deus dos homens de bom coração
Fez o mundo (que era todo escuro, dizia o antigo aleive apostólico)
Tomou a primeira atitude burguesa da história:
Criou a luz, e separou-a da escuridão!
(e viu que a luz [e certamente só ela] era boa...)
E gastou sua inspiração para que tudo só fizesse sentido de dia
E a noite virasse o aterro privado
Dos sonhos que nunca serão reais,
De estrelas que nunca serão o sol,
De vidas que nunca haverão de ter virtude.

Por sorte a criação sempre supera a criatura,
E quando depois de seis dias Deus dormiu
Surgiram os poetas e estes inventaram a dialética.
E desde então Deus faz o possível para extingui-los
Por que estes ousaram criar coisas
Que eram mais eternas, vivas e verdadeiras
que todas aquelas que ele mesmo havia criado.

Daí então fez descer sua praga cheia de ira:
A cada verso que um poeta fizer nascer
Uma coruja furará um dos olhos da noite
Enterrando portanto uma estrela para então nutrir a penumbra.
Mas eis que a dialética (que os poetas haviam criado)
Resolveu fazer da maldição uma dádiva:
Quando se apaga uma estrela, a escuridão se fortalece
E mais um poeta nasce, porque poetas nascem na noite
E a noite renasce soberana a cada rasgo lírico que aporta o mundo.


(Continua...)


Jaisson.
Poeta. E Noite.
Nov. 2008.

Um comentário:

Anônimo disse...

"Que conversas com elas?
Que sentido tem o que dizem,
quando estão contigo? "

E eu vos direi:
"Amai para entendê-las!
Pois só quem ama pode ter ouvido
Capaz de ouvir e e de entender estrelas"
Olavo Bilac

Amantes escutam as estrelas,
poetas as apagam.
Mas, o que seria dos apaixonados sem os versos?